Promovendo o desenvolvimento social no Peru: Aportes da evidência científica
18 jul 2024
Esta entrevista faz parte da iniciativa “Vozes Ressoantes: Ouvindo as Vozes dos Usuários de Evidências na Região da América Latina e Caribe”. O projeto é um esforço colaborativo com o Hub LAC atuando como implementador e a Overton como financiadora. Nesta entrevista, conversamos com José Enrique Velasquez do Peru.
José Enrique Velasquez é Médico, possui mestrado em Saúde Pública e em Epidemiologia Clínica. Atualmente, atua como professor universitário na Universidade Peruana Cayetano Heredia e como Diretor Geral de Acompanhamento e Avaliação do Ministério de Desenvolvimento e Inclusão Social (MIDIS) no Peru.
1. Quais são as questões ou problemas prioritários na sua organização?
No final de 2022, o MIDIS aprovou a atualização da Política Nacional de Desenvolvimento e Inclusão Social, uma política que reúne 14 setores e identifica 81 serviços. Esta política tem dezenove diretrizes e cinco objetivos prioritários. A Direção de Acompanhamento e Avaliação está atualmente trabalhando em três temas prioritários, nos quais acreditamos que a disponibilidade de evidências é crítica.
O primeiro deles está relacionado à Segurança Alimentar. Hoje estamos trabalhando com maior intensidade nas intervenções mais eficazes para melhorar a segurança alimentar, especialmente para a população pobre e vulnerável.
O segundo tema está relacionado com a pobreza. Estamos em transição de um enfoque unicamente monetário da pobreza para uma medição multidimensional complementar, não apenas pelo trabalho próprio do MIDIS, mas porque acreditamos que a complementação de ambas as medições pode nos proporcionar uma melhor percepção da pobreza na população.
E o terceiro tema está relacionado com os anteriores: é a anemia infantil. Existe a necessidade de melhorar os resultados da anemia em crianças menores de três anos, que é a população na qual focamos nossa atenção, especialmente em menores de 12 meses, pois é o período em que há uma formação intensa das conexões neuronais e onde a porcentagem de crianças com este problema é mais alta.
2. Qual foi o papel das evidências científicas na abordagem desses problemas ou questões prioritárias, e quais parcerias ou sinergias apoiaram ou possibilitaram esse processo?
A evidência científica desempenha um papel fundamental na tomada de decisões, sendo sua aplicação crucial para o setor. Um exemplo recente é o programa de transferência condicionada na primeira infância.
Durante a pandemia, havia uma dúvida sobre como o fechamento dos serviços e a ausência de visitas domiciliares impactariam a população infantil imediatamente após o nascimento.
Realizamos uma busca intensa por evidências internacionais, pois não tínhamos evidências nacionais suficientes para identificar se era esperável obter resultados importantes no desenvolvimento da primeira infância com um programa de transferência condicionada. Encontramos todo tipo de evidências, categorizamos e fizemos uma matriz de evidências.
Graças a essa iniciativa, implementamos um piloto inovador mediante a adaptação de um programa existente chamado “Juntos”. Ampliamos a assistência a gestantes e mães de recém-nascidos e a captação oportuna delas. Foram adicionados serviços como triagem para anemia, suplementação com ferro e acesso à vacinação, coordenados com o Ministério da Saúde. Cumprindo com essas responsabilidades mínimas, era concedida uma transferência ao lar de maneira imediata, complementar à transferência base que alguns desses lares já vinham recebendo.
A evidência respaldou o desenho e a implementação do piloto do programa, facilitando o apoio do Ministério da Economia e Finanças e a posterior aprovação por decreto de urgência do Ministério de Desenvolvimento e Inclusão Social.
Após um ano de implementação, complementamos as evidências iniciais com novos dados, incluindo uma avaliação sobre desnutrição e acesso a serviços para a primeira infância. Esses resultados, juntamente com as evidências internacionais e próprias geradas, respaldaram a proposta de extensão e escalonamento do programa a nível nacional, nos setores rural e urbano.
Para esse trabalho, recebemos o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento, do Banco Mundial, de um especialista em transferências condicionadas e de instituições acadêmicas.
3. Quais são as principais barreiras e facilitadores que você identifica para institucionalizar e incorporar sistematicamente as evidências no processo de tomada de decisões?
Barreiras
A temporalidade entre a decisão política que precisa ser tomada e o trabalho técnico necessário para reunir a melhor evidência disponível. A demanda por evidências para tomar essas decisões políticas pode ser de até uma semana, enquanto que, do ponto de vista técnico, podemos estar falando de um trabalho de meses para fornecer essa evidência.
A segunda barreira está relacionada com o orçamento. Gostaríamos de ter orçamento suficiente para realizar todas as avaliações e todos os estudos necessários para gerar evidências próprias, mas os recursos são geralmente limitados e insuficientes.
A terceira barreira que eu gostaria de mencionar é o acesso a fontes e recursos de informação de qualidade, e isso está relacionado ao acesso a buscadores. Embora haja um maior investimento na democratização da evidência, ainda temos dificuldades para acessar determinados tipos de evidência.
Um quarto ponto que gostaria de destacar como barreira é a necessidade de trabalhar constantemente para manter uma cultura de evidência a nível institucional, uma que facilite as alianças com outras instituições dentro do país, não apenas com a academia, mas também com diferentes organizações do setor público e privado.
Finalmente, um desafio que enfrentamos é conseguir levar a evidência e disponibilizá-la para os diferentes públicos-alvo e fazer com que eles entendam o real alcance da evidência. Isso significa traduzir o conhecimento para os diferentes públicos.
Facilitadores
Uma vez que se usa a evidência para tomar decisões, pode-se gerar, se mantido um contexto propício, um efeito de bola de neve. Assim, a partir de algo pequeno, pode-se fazer algo cada vez maior e gerar uma cultura mínima de tomada de decisões sempre respaldadas na melhor evidência disponível, e isso é algo que deve ser destacado e reforçado.
Obtivemos resultados destacados ao compartilhar nossas evidências no portal Evidência MIDIS e ao envolver pesquisadores internacionais em outros espaços. Essas colaborações nos permitiram acessar novas evidências internacionais, fortalecendo nossas avaliações e resultados. Identificar e aproveitar oportunidades semelhantes pode conduzir a mais resultados positivos.
4. Quais conselhos você daria a pesquisadores e responsáveis pela tomada de decisões que querem melhorar o impacto e o uso da evidência científica nas decisões políticas?
O tomador de decisões precisa entender que suas decisões terão um maior respaldo e um melhor resultado (que também pode ser medido politicamente) na medida em que estiverem apoiadas em evidências. Os tomadores de decisão estão sujeitos a julgamentos, questionamentos e controle interno pelas decisões que tomam, mas isso pode ser claramente resolvido de forma satisfatória se as decisões forem baseadas em evidências.
Eles também podem projetar uma imagem diferente para os meios de comunicação, o que os posiciona de uma maneira distinta.
As necessidades do tomador de decisões na esfera política podem diferir das da academia. Portanto, para que os pesquisadores consigam que os tomadores de decisões utilizem a evidência, é crucial identificar as necessidades no âmbito político.
Os pesquisadores, especialmente na academia, precisam entender que o político precisa tomar decisões rápidas.
Por último, uma vez reunida a melhor evidência disponível, é fundamental disponibilizá-la em espaços de divulgação e reflexão, quando apropriado e com as pessoas adequadas.
Contato do entrevistado: jvelasquez@midis.gob.pe